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[Conto] Meu Melhor Amigo

Vou contar sobre um amigo. Esse era meu melhor amigo. O que tive durante toda minha vida. Ele me viu nascer, pegou-me no colo, viu-me crescer. Lembro-me de um tempo em que me cantava canções de ninar para me embalar num sono perfeito. Lembro-me de quando me ensinou a andar de bicicleta, quando me ensinou a dirigir seu carro. Adorava vê-lo sorrindo. Eu o amava. Era uma pessoa em quem se confiar, eu podia me entregar a ele sem medo. Lembro-me de uma brincadeira: eu subia no muro de casa e pedia para ele me segurar, ele dizia que não seguraria, mas eu podia confiar nele, não me deixaria cair. E sempre que eu pulava ele vinha correndo me segurar. Ele me protegia, queria sempre saber como fora o meu dia. Levava-me para tomar sorvete, jogava bola comigo. E eu sempre me perguntava: por que ele faz isso? Eu não tenho nada para dar em troca. O momento surgiu num dia em que o vi chorando. Ele estava com muitas saudades dos pais. Eles moravam em outro estado, muito longe de onde estávamos. Eu ...

[Conto] Soldadinho de Brinquedo

Era uma vez uma garota que achava que o mundo não gostava dela. Tinha seus dez anos. Vivia trancada no seu quarto, sem contato com o exterior. Tinha vários brinquedos, mas seu especial era um soldadinho que um primo seu lhe dera um dia. O soldadinho tinha calça azul e uma camiseta vermelha de mangas longas, um chapéu engraçado com desenhos de espadas formando um xis e carregava uma espada sem ponta. Muito parecido com os guardas reais da rainha da Inglaterra, porém de madeira. Exibia um sorriso leve, bem desenhado e os olhos atentos, porém meigos. Teve um dia que a garota estava muito triste e sozinha. E nesse dia resolveu conversar com o soldadinho como se ele fosse gente. E para sua surpresa ele lhe respondeu. Ela ficou estática. Mas ao mesmo tempo feliz. Havia alguém com quem conversar agora.  Então ela contou sobre tudo o que lhe afligia. Sobre a falta de atenção que seus pais tinham por ela. Sobre sua auto-estima baixa. Sobre seu vazio interior. Despejou na ment...

[Conto] A Lembrança

            A vida não é lógica. Ele percebeu isso fazia tempo. E sempre nas mesmas situações tentou usar a lógica, a exatidão de um caminho. Mas falhou em todas elas. Decidiu por impulso que queria se casar. Mas primeiro teria que conseguir emprego. Conseguido o primeiro passo foi para o segundo. Casou-se. E a seguir veio o filho. Casa, carro, móveis. Era feliz. Mas teve um momento em que discutiu com sua mulher. E separaram-se. "Triste fim", pensava. "Tanto trabalho para nada". O jeito era recomeçar. Ficar parado vendo o tempo passar não era do seu feitio. E começou a gostar do seu trabalho na empresa. Estudou, e algum tempo depois conseguiu uma promoção. Um cargo ao qual não almejava enquanto casado. Mas como estava divorciado mesmo aceitou-o e em pouco tempo comprou uma casa (a outra dera à sua ex-mulher, assim como seu carro). Comprou um carro, encheu a casa de coisas que vende-se em televisão, eletros e eletrônicos dos quais ...

[Conto] X

X estava cheio de tudo, cheio de suas próprias mentiras. Não queria mais viver aquela vida com coisas que não eram reais. Não. Estava disposto a acabar com tudo, derrubar a base em que sua vida se sustentava. Havia uma guerra dentro de si, que não deixava se ouvir. Dois lados lutavam. Uma verdadeira guerra civil. De um lado, o X que queria contar toda a verdade. Contar tudo a todos, sem pensar nas consequências. Queria estar livre desse peso que há tempos carregava nas costas, sozinho. Do outro, o X que queria continuar sendo rei no mundo e plebeu em casa. Ostentar duas vidas, como um super-herói. Manter suas amizades conquistadas com seu poder. Manter a alegria, o foco, o objetivo de sempre agradar terceiros. Agradar novos amigos que nem sua parceira sabia quem eram. Ela não os conhecia.             E agora que estava vencendo a batalha pela verdade, ela aparece. Linda como nunca. Invadindo seus sonhos, com a mesma doce voz que ...

[Conto] Engodo de um Louco

Era tarde, o sol já se despedia depois de mais um dia exaustivo de calor.   Labutando em seu céu esplêndido e vasto. Comecei a refletir sobre o sol. Vendo-o em sua rotação, mas quem estava em rotação era a terra não o sol. Mas da forma como eu via era o sol quem girava, isso basta. Era tarde já trocando de roupa para a noite. Mas o sol ainda me deixava em estado de reflexão. Meu pai deveria ser um sol. Brilhando em nossa família, alimentando-nos e nos dando o colo quente de um fim de noite, após a janta. Mas meu pai não poderia ser um sol à noite. Mas como no universo era escuro parecendo noite, e brilhava o sol na mesma intensidade dos seus 5000°C, ainda posso deduzir que meu pai era um sol, mesmo no escuro. Ele nos aquecia e nos alimentava, como o sol aquecia a terra e alimentava as plantas com a tal da fotossíntese. Meu pai sendo o sol, minha mãe poderia ser a lua. Sim, a lua. Refletindo a luz do meu pai para nós, pois ela era seu espelho. A lua girando ao redor de nós, na sua ...

[Conto] A Visita

A garota entrou no cemitério. Usava um casacão marrom, fazia muito frio aquele dia. Era um daqueles últimos dias de inverno. Faltava pouco para a primavera. Eram dez da manhã. O céu estava límpido e majestosamente azul. A garota seguiu a trilha que daria num túmulo conhecido. Passos vagarosos, não tinha pressa alguma, o outro podia esperar uma eternidade. Cabeça baixa, mãos nos bolsos. Chegou ao destino. A foto ao lado da lápide era composta por um casal e uma garotinha, que era ela. Ali estavam seu pai e sua mãe, num momento bom, todavia já muito distante. Na lápide estava escrito em letras garrafais: Amado esposo Amado pai Amado filho Havia um mês que o corpo do seu pai estava ali depositado. Ela se aproximou mais, sentou-se no chão, numa grama verde bem cortada. Recostou-se no túmulo. Cabisbaixa. - Pai, como vai? A falta de resposta fez com que ela criasse uma: - Estou bem filha, somente com frio. - Eu estava me lembrando ontem de coisas que fizemos juntos. Seus olhos se enchera...

[Conto] O Encontro

Diego Alves trabalhava num escritório de contabilidade. Normalmente às tardes a si se impunha entrar em salas de bate-papo em sites diversos. Numa dessas, conheceu uma pessoa cujo destino denominara Raquel. Eles deram princípio aos diálogos que por seu turno se tornaram muito freqüentes, assíduos demais. Isso causava certa desatenção aos trabalhos contábeis no escritório. As conversas eram sempre agradáveis e ambos se distanciavam do mundo real. Vivendo aquela realidade alternativa sem receio. Diego tinha 45 anos, era casado e tinha um casal de filhos. Estava infeliz com o casamento. Sua esposa nunca mais dedicara tempo e atenção a ele depois que começou a trabalhar na polícia federal. Os filhos já cursavam a faculdade. Trabalhavam de dia e estudavam à noite. Normalmente ele chegava a casa às 18 horas. A casa vazia lhe impingia uma atmosfera de solidão incomum. Certa vez ele quis aprofundar sua amizade com Raquel, convidando-a para um passeio num Shopping da cidade, a fim de se conhe...