[Conto] Meu Melhor Amigo
Vou contar sobre um amigo. Esse era meu melhor amigo. O que tive durante toda minha vida. Ele me viu nascer, pegou-me no colo, viu-me crescer. Lembro-me de um tempo em que me cantava canções de ninar para me embalar num sono perfeito. Lembro-me de quando me ensinou a andar de bicicleta, quando me ensinou a dirigir seu carro. Adorava vê-lo sorrindo. Eu o amava. Era uma pessoa em quem se confiar, eu podia me entregar a ele sem medo. Lembro-me de uma brincadeira: eu subia no muro de casa e pedia para ele me segurar, ele dizia que não seguraria, mas eu podia confiar nele, não me deixaria cair. E sempre que eu pulava ele vinha correndo me segurar. Ele me protegia, queria sempre saber como fora o meu dia. Levava-me para tomar sorvete, jogava bola comigo. E eu sempre me perguntava: por que ele faz isso? Eu não tenho nada para dar em troca.
Estou falando do meu pai. Sempre confiei nele. Ele me viu crescer, apoiou-me, incentivou-me, protegeu-me, e quando eu não merecia alguma coisa ele vinha com palavras de esperança, dizendo para eu fazer melhor. Ele era meu amigo, já não é mais. Desconheço meu pai hoje. É um estranho com quem não falo tem algum tempo. O pai fiel, amigo, sempre presente tinha uma dupla jornada de vida. Traiu minha mãe e por consequência me traiu. Descobrimos seu segredo e durante uma discussão ele me gritou bem alto que já tinha transado com outras mulheres. Fiquei em silêncio por alguns segundos. Virei as costas e bati a porta saindo de casa. Minha raiva era tamanha que chorava. Saí com uma vontade de gritar bem alto. De culpar o mundo todo pela perda do meu amigo. Ele não era o mesmo. Foi a última vez que o vi. Algum tempo depois minha mãe pediu o divórcio. Não tinha razão ele permanecer conosco. Ele não era aquele homem em quem confiamos um dia. Não sei se tudo que fez comigo foi por querer de fato aparentar uma vida limpa, ou fazia para me agradar, para que no futuro ficasse do lado dele. Sentia-me usado, ludibriado, enganado pelo meu melhor amigo. Eu confiava nele...e depois de anos descubro que fui um objeto, um motivo pra encobrir algo que ele fazia. Tem vezes que choro me lembrando. Lembrando do meu passado, lembrando das brincadeiras, dos finais de semana em que éramos parceiros no futebol de rua... Desconheço aquele melhor amigo.
Meu avô morreu alguns meses atrás, e ele nem sequer foi lá na cidade deles, para ver o enterro, cuidar da minha avó, já idosa, ajudar em alguma coisa. Ficou por aqui. Não sei onde ele está, depois que se separou não nos deu endereço. O celular creio que mudou de chip. Apesar de toda essa raiva e mágoa que sinto por tudo que ele fez...eu ainda queria ouvir mais uma vez aquela canção de ninar, pra dormir um sono de fantasia mais uma vez... saudade...
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